Fugiu do dia a brancura,
Chega a noite em sombra envolta,
Traz no aspecto a feiúra,
Traz a negra trança solta;
Não vem garbosa e toucada
Das estrelas rutilantes
Espalhar pelos amantes
Prazeres de enamorada
O janeiro se entristece
Sem luz para refletir
No jardim a flor fenece
Não vê-se o campo sorrir;
Aqui é tudo tristeza
Quando vem da noite a face
Não goza do amor enlace
A tristonha natureza.
Mas lá no meu Porto Alegre
Como és, noite graciosa!
Lá tu não tens quem te regre
Com matina ruidosa
A hora do alevantar:
Podes com doce alegria
O poder do curto dia
Sobre a terra disputar.
Em teus braços a natura
La gosta bem de brincar,
E na tua formosura
Sua face retratar.
Como corre ameno o rio
Copiando o arvoredo
Quando tu por um brinquedo
Tens com Vênus desafio!
Como aqui es poeirosa,
Abafada e sem primor
Não sabes da amante ansiosa
Favorecer doce amor?
Lá quando frios ventilam
Desabridos Minuanos
Fere amor sem fazer danos
Os corações que vacilam.
Teu véu de graça deixaste
Nos morros da minha terra,
Lá onde,amiga brincaste,
Com os pinheiros da serra?
Teus raios de luz sutil
O Guaiba os recolheu?
Aqui tens a cor do breu
E lá tens a cor do anil.
Lá deixaste as baforagens
Da rosa e dos alecrins
Do Caí nas doces margens
Perfumadas de jasmins?
La deixaste as cantorias,
E tocatas primorosas
Que em horas silenciosas
Nos enchiam de harmonias?
Oh deixaste!...E indo há pouco
Lá no céu do meu país
Da palmeira amaste o coco,
Foste soberba e feliz!
Viste as fontes de cristal,
Sussurro dos pessegueiros,
Os mal-me-queres rasteiros
Co'a cor do rico metal.
Viste elegante a Matriz
Da minha linda cidade
Viste o alto que se diz
Da Bronze e a Caridade;
Tu Viste o "Caminho Novo"
De sarandins todo orlado,
"De Belas Caminho"amado
Pelo bom gosto do povo.
Quanto és boa oh doce amiga!
Lá no tempo do verão!
Minorar n'água a fadiga
P'ra o Riacho todos vão.
A tua luz que ali cai
Em ondas toda se espraia,
Não há divisa nem raia
Para a gente que lá vai.
Aqui de nuvens coberta
Não dás o menor prazer,
Não há uma flor aberta
Que perfume o teu viver.
Na Niterói decantada
Sempre triste te encontrei!
Que não amas eu bem sei
A terra do sol queimada!
Como é que nestes ardores
Podes viçosa existir!
Para os meus e teus amores
Vamos sozinhos fugir?
Oh, que vamos! Eu bem sei
Que vais lá graças ganhar,
E eu alegre saudar
A terra que tanto amei
Aqui estás triste em degredo,
E lá tens a cor do céu!
Daqui me leva em segredo
Embrulhado no teu veu,
Que o não saibam estas gentes
Senão quando eu lá me achar,
Pois nem eu nem tu estar
Podemos aqui contentes.
Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1845
José Antonio do Vale
quinta-feira, 5 de março de 2009
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Linda poesia, mas quem é José antonio do Vale?
ResponderExcluirJosé Antônio do Vale, é o autor da Divina Pastora, o Caldre Fião, que é um toponímio de origem lusa,por ele acrescido a seu nome provàvelmente para diferencia-lo dos nomes do progenitor e do avó, respectivamente Antonio José do Vale e José Antonio do Vale.Se descobrires a origem do toponímio, me envias, certo?
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