sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O MITO DE SÍSIFO


Os deuses haviam condenado a Sísifo a erguer sem cessar uma pedra até em cima de uma montanha, de onde a pedra voltava a cair por seu próprio peso. Haviam pensado, com algum fundamento que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança.
Se havemos de crer em Homero, Sísifo era o mais sábio e prudente dos mortais. Diferem as opiniões sobre os motivos que o levaram a converter-se no trabalhador inútil dos infernos. Diz-se que revelou os segredos dos deuses. Egina, filha de Asopo, foi raptada por Júpiter.O pai se queixou a Sísifo, o qual conhecendo o rapto, se ofereceu a informar sobre ele a Asopo com a condição de que desse água à cidadela de Corinto. Preferiu a graça da água aos raios celestiais. Por isso lhe castigaram enviando-o ao inferno. Homero também nos conta que Sísifo havia acorrentado a Morte. Plutão não pode suportar o espetáculo de seu império deserto e silencioso.Enviou o deus da guerra que liberou a morte das mãos de seu vencedor.
Diz-se também que Sísifo, quando estava por morrer, quis imprudentemente por a prova o amor de sua esposa. Ordenou-lhe que jogasse seu corpo insepulto em meio da praça pública. Sísifo se encontrou nos infernos e ali, irritado por uma desobediencia tão contrária ao amor humano, obteve de Plutão permissão para voltar a terra para castigar a sua esposa. Porém quando voltou a ver este mundo,e começou a gostar da água e do sol, das pedras cálidas e do mar, não quiz voltar a escuridão infernal. Os chamados, as iras e as advertencias não adiantaram. Viveu muitos anos mais ante a curva do golfo, o mar brilhante e os sorrisos da terra. Foi necessário um decreto dos deuses. Mercúrio desceu a terra e o levou a força aos infernos, onde já estava preparada a sua rocha.
Sísifo é o herói absurdo tanto por suas paixões como por seu tormento. Seu desprezo aos deuses, seu ódio a morte e sua paixão pela vida lhe custaram esse suplício de dedicar-se a não terminar nada.É o preço que tem que pagar pelas paixões desta terra. Com respeito a este mito, o que se ve, é todo o esforço de um corpo tenso para levantar a pedra enorme, faze-la subir uma descida cem vezes recorrida. Ao final de um longo esforço, alcança a meta. Sísifo ve então a pedra descendo em alguns instantes até o mundo inferior desde o qual voltará a ergue-la novamente até o alto, e ela cairá de novo no chão.

Sísifo me interessa durante esse regresso, essa pausa. Ele volta a descer com passo lento até o tormento cujo fim não conhecerá jamais.Esta é a hora da consciência, ele é superior a seu destino. É mais forte que sua rocha.
Se este mito é trágico, o é porque seu protagonista tem consciência. Em que consistiria seu castigo se a cada passo tivesse a esperança de conseguir seu propósito? Sísifo, proletário dos deuses, impotente e rebelde, conhece toda a magnitude de sua miserável condição: nela pensa durante sua descida. A clarividencia que devia constituir seu tormento, consuma ao mesmo tempo sua vitória. Não há destino que não se vença com o desprezo.Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta as rochas.Cada um dos grãos desta pedra, cada fragmento mineral desta montanha cheia de escuridão, forma por si só um mundo.O esforço para chegar no alto basta para encher um coração de homem.
Camus, Albert OBRAS,1- El mito de Sísifo - Alianza Editorial Madrid 1996.

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