quarta-feira, 3 de março de 2010

O VITALISMO NA ATUALIDADE

O VITALISMO NA ATUALIDADE.

Seguindo as pegadas da Homeopatia, o Vitalismo no final do século XIX acompanha as peripécias do médico austríaco, Constantin Hering. Por ser um brilhante aluno, foi encarregado por um de seus professores a defender uma tese contra a Homeopatia. No entanto, após estudá-la detidamente, deixa-se convencer pela sua veracidade e passa a defendê-la ardorosamente, tornando-se um homeopata. Era um missionário presbiteriano e por isso foi enviado em missão religiosa para as Guianas, trazendo consigo a Homeopatia para a América. Das Guianas mudou-se para os EUA e na Filadélfia criou a primeira escola americana de Homeopatia, no início do século, a Post-Graduate School of Homeopathy. Posteriormente transferiu-se para Chicago, onde fundou a Hahnemann Medical College and Hospital e depois a Hering Medical College. Aí se formou um dos mais eminentes e conhecidos homeopatas depois de Hahnemann: James Tyler Kent. Outro renomado homeopata que nos legou importantes obras, Henry Allen, formou-se também na escola médica de Hering, onde passou a lecionar. Kent criou a sua própria escola de Homeopatia em Nova York, deixando como seguidores nomes como Timoty Allen e Pablo Paschero, o famoso homeopata argentino.
Na América do Norte, até o início do século, as escolas homeopáticas e alopáticas conviviam de forma harmoniosa. A produção de medicamentos era artesanal e limitada. Foi quando o grande magnata americano, Rockefeller comprou 70% das patentes de remédios produzidos nos EUA e começou a produzi-los em larga escala, em forma industrializada. Aplicou na farmácia a produção em série de Henry Ford (o fordismo). O filho de Rockefeller continuou a idéia de seu pai e exerceu forte influência no governo americano, mostrando que as escolas médicas do país não seguiam uma padronização no uso de medicamentos e na formação dos médicos. Convencido da necessidade de se organizar e padronizar o ensino da medicina no país, o governo encomendou então a Abraham Flexner um estudo pormenorizado do perfil das escolas médicas e do exercício da profissão em toda a nação americana. Apesar de sustentar-se na idéia da necessidade de padronização do ensino e da prática médica, contam os bastidores da história que o lobby exercido pela indústria farmacêutica foi preponderante nesta empreitada, pois se necessitava de dar uma vazão, em grande escala de sua profícua linha de produção.
Abraham Flexner empreende em 1910 um amplo estudo sobre as escolas médicas americanas, demonstrando que, das 155 escolas existentes na época, somente uma delas, a Johns Hopkins School, de Baltimore, atendia as exigências levantadas pela indústria farmacêutica. Cria então um relatório, conhecido como Flexner Report (Relatório Flexner) que padronizou o ensino médico no EUA, segundo um modelo considerado científico. Conta-se que, sendo amigo íntimo de Rockefeller, quem detinha na época o poder econômico da indústria farmacêutica, convenceu-se das idéias do magnata que apregoava a necessidade de se produzir medicamentos confiáveis, através de uma linha de fabricação industrial, em detrimento da existente manipulação individual. Empregou seis milhões de dólares na instalação de seu programa de educação médica, mudando o panorama do ensino e da prática de saúde vigente. A Medicina, de uma formação geral, passou a empregar a especialização, a se basear no diagnóstico tecnológico e mecanicista e o tratamento passou a priorizar sobretudo a supressão da doença. A Medicina tornou-se um ato técnico e perdeu o contato com a alma humana, assumindo uma postura eminentemente galênica, em franco desacordo com os postulados vitalistas. A manipulação farmacêutica artesanal deixou de existir e passou a consumir-se em larga escala a produção industrial de medicamentos como pretendido inicialmente pelos seus magnatas.
O Relatório Flexner passou a ser padrão de ensino para as escolas médicas americanas e o governo cortou todos os subsídios das escolas que não obedeciam aos seus preceitos. Como a Medicina homeopática vitalista não se encaixava em seus postulados, foi assim varrida dos EUA e dos paises sob sua influência na América Latina, onde a Medicina flexneriana atua decisivamente até os nossos dias. A Homeopatia morria com a morte de Kent, em 1916, último dos grandes homeopatas americanos, aniquilada pelos novos padrões exigidos pela Medicina tecnológica nascente.
A nova Medicina devia utilizar medicamentos padronizados, produzidos em escala industrial e basear-se em avanços tecnológicos para curar. Estava sepultada a Medicina humanitária e intuitiva que priorizava a totalidade do doente, fixando-se o seu exercício, definitivamente, na tecnologia e no mecanicismo materialista. Com decisiva influência a mesma idéia foi implantada no Canadá e logo atravessava o Atlântico, agora em sentido contrário, devido ao seu grande sucesso econômico, rumo à velha Europa, onde enterrava definitivamente toda e qualquer concepção vitalista sobrevivente. Todo o mundo ocidental embalou-se nesta revolução médica que acompanhava a era industrial e tecnológica que se iniciava.
A Medicina flexneriana baseando-se no raciocínio mecanicista da doença, na especialização médica, no diagnostico técnico-laboratorial, na linguagem objetiva da anátomopatologia e nos medicamentos de produção industrial, pretensamente confiáveis, difundiu-se por todo o mundo ocidental, sob a influência do positivismo e do imperialismo monetário americano. Grandes grupos econômicos se consorciaram nos EUA para a produção dessa Medicina de vultosos rendimentos financeiros, formando os poderosos laboratórios que em curto tempo dominaram o cenário mundial de comercialização da saúde. A publicidade, a competitividade econômica e depois os grupos de seguros médicos tomaram, enfim, as rédeas de toda a prática médica. O médico passou a receitar medicamentos formulados industrialmente, segundo forte aparato propagandista e não simplesmente visando as reais necessidades do paciente. O exemplo máximo de que novos objetivos de interesse puramente econômicos passaram a conduzir a Medicina, encontra-se na história da vitamina B12, a cianocabalamina. Antes considerada uma substância de grande valor médico e indicação precisa, passou a comparecer largamente nos receituários médicos, aplicada em toda sorte de queixas e patologias, sem uma razão que justificasse tal abusivo uso. E se antes era utilizada em diminutas e eficazes doses da ordem de microgramas, suficientes para preencher toda a reserva hepática, considerada na ordem de 2000 a 5000 mcg, passou a ser prescrita em milhares de mcg diárias (15000 a 20000 mcg) muitíssimo acima de 1 mcg exigido diariamente pelo organismo. Um único e oculto objetivo movia tal pecado da prática médica: estimular o seu consumo para satisfazer a ganância de seus produtores, pois descobriu-se que tão preciosa substância era um subproduto da produção de antibióticos e se acumulava em milhares e inúteis tonéis em seus laboratórios, necessitando transformarem-se em cifrões para a alegria de poucos e pesar de muitos.
Uma Medicina pragmática, rápida, passou a ver o homem como máquina de produção que não pode parar a fim de não dar prejuízos. Casou-se com o tecnicismo e o capitalismo, moldando-se à era industrial, mas perdeu a alma do homem. Uma Medicina que emprega seu esforço sobretudo no ato supressivo da doença, em seu pretensioso ato curativo dos males humanos que, se são estancados momentaneamente, retornam depois agravados, avolumando sofrimentos e impondo ao doente sobrecargas financeiras e tóxicas de um quimismo artificial, muitas vezes nocivo à sua vida.
Sob a imposição do relatório Flexner e com o advento dos medicamentos de efetiva e imediata ação supressiva, como os antibióticos, os corticosteróides e outras potentes drogas, a Homeopatia entrou em decadência nos países ricos. Os grandes laboratórios passaram a dominar toda a prática médica, voltada para a produção de suas grandes fortunas, sem dúvida a indústria mais rendosa do mundo. O medicamento homeopático, desprovido de patentes e possuindo reduzido potencial de lucros, não se mostrou de forma alguma compatível com os interesses das grandes multinacionais produtoras de quimismos de moda. Cifras milionárias são consumidas na produção de medicamentos, que depois se tornam caríssimos para trazerem de volta seus altos gastos convertidos em lucros fabulosos. Servem por um tempo para logo depois se verem substituídos por outros ainda mais caros, mudando-se o panorama terapêutico como se muda a moda, sempre ávida de novidades e promessas miraculosas, que jamais se cumprem.
Com a revolução cubana em 1960 e a conferência de Punta Del Leste em 1961, os paises do Cone Sul adotam caminhos próprios para resolução de seus problemas de saúde, intentando desvencilharem-se parcialmente das escolas flexnerianas. Em obediência a estes novos e incipientes ideais, em 1968 algumas escolas brasileiras iniciaram a formação do médico generalista. A Santa Casa de São Paulo formou em 1969 a primeira turma destes profissionais mais voltados para as necessidades da população local, com vistas a um atendimento geral do paciente. Mas ainda não representava uma libertação da influência do tecnicismo e do poderio econômico das grandes indústrias farmacêuticas americanas. A Escola Paulista de Medicina, a Faculdade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro realizaram movimentos semelhantes, diante do impacto econômico que Medicina flexneriana exigia em seu exercício, totalmente dependente da importação de conhecimentos, de tecnologia e de medicamentos americanos, altamente dispendiosos para os países do terceiro mundo. Em Minas Gerais, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal adotou nesta mesma época um programa semelhante, implantado a partir dos anos 70 a formação de médicos generalistas, quando as grandes e tradicionais cadeiras médicas foram desfeitas e instituiu-se o Internato Rural, sob influência do pensamento socialista, remanescente nos meios acadêmicos.
Tais medidas, no entanto, não foram suficientes e nos dias atuais a moda na medicina segue, de forma preponderante, o especialismo norte-americano, com suas concepções e práticas puramente materialistas, voltadas essencialmente para o diagnóstico e a supressão de sintomas. Os avanços tecnológicos nos meios diagnósticos criam a necessidade de um número cada vez maior de especialistas, exigindo-se ainda o dispêndio de vultosas somas monetárias para o seu exercício. Chega-se ao ultra-molecular, às cadeias genéticas, onde a Medicina se curva como o último elo da doença do homem.
A influência da formação flexneriana nas escolas médicas de todo mundo ainda é muito grande. Os EUA passaram a ser um exportador de tecnologia médica, sem dúvida importante, mas que fez do médico um mero leitor de análises laboratoriais, esquecido que tem diante de si um doente, que está enfermo sobretudo da alma. Os novos profissionais formados nestes frios academicismos tecnológicos ressentem-se, contudo, de uma Medicina humanitária e Vitalista, que lhe facultem visões mais abrangentes do ser humano. Cansados de tecnicismos vazios, sentem-se necessitados de uma Medicina filosófica, que estude o esfacelado homem moderno como um todo unitário e indivisível. Que considere a doença de suas partes como um desequilíbrio desse todo. Uma Medicina não somente vitalista, mas também social e psicológica, enfim uma Medicina que saiba ver e tratar a alma humana e recupere a relação médico-paciente, satisfazendo sobretudo os anseios dos enfermos, perdidos em complexas e frias máquinas de diagnósticos.
A Medicina defensiva dos EUA passou a ser um imenso obstáculo ao livre exercício da abordagem médica homeopática. Aí o Vitalismo encontrou sérios obstáculos em uma prática médica constantemente ameaçada por processos caríssimos. Enquanto o médico em outras partes do mundo, ao entrar um paciente, se pergunta, o que curar nele, nos EUA, ele se pergunta, como se proteger do paciente que chega.
No Canadá a Homeopatia é tolerada como uma prática de Medicina popular, mas proscrita para uso médico. Como ela não é reconhecida, o médico está proibido de exercê-la. Ou ele é médico ou é homeopata, ambos não se pode ser.
Na França e na Alemanha exerce-se uma Homeopatia médica, com certa aceitação pela Medicina alopática, no entanto sem um reconhecimento oficial. Nestes países, entretanto, o serviço público reembolsa os gastos com a Medicina homeopática. Na França a Homeopatia é tolerada, porque o povo francês respeita as liberdades de escolha pessoal e a simpatia popular a sustenta. Oficialmente se proíbe, no entanto, a prescrição de medicamentos acima da 12a diluição, pois não se pode comprovar que contenham alguma coisa. Na Inglaterra existe o Hospital Real, que forma médicos homeopatas e atende a população com Homeopatia, mas não conta com o apoio das associações médicas oficiais e estagnou-se no “organicismo”.
Na Índia, a Homeopatia foi levada pela colonização britânica, iniciada em meados do século XVIII e encontrou um campo fértil para crescer no misticismo indiano. Aí se edita atualmente quase a totalidade dos livros de Homeopatia publicados em língua inglesa e a Homeopatia é exercida em profusa mistura com a fitoterapia védica secular. Cerca de metade dos médicos neste país são homeopatas e reconhecidos pelo governo, tratando-se da nação com maior número de homeopatas do mundo.
Nos paises comunistas e ex-comunistas, a Homeopatia não teve acesso, pois foi bloqueada pelas ideologias socialista, que não viam com bons olhos todo movimento individualista. Pelos mesmos motivos que a psicanálise também não encontrou meios de difusão nestes paises, por estimularem um desenvolvimento da personalidade e a libertação de suas amarras. Atualmente pode-se, no entanto, encontrar três clínicas de Homeopatia na Rússia. No Japão e na China não se têm notícias da Homeopatia, praticamente inexistente, embora o Vitalismo aí sobreviva apoiado pela Acupuntura e pela milenar medicina chinesa.
Apesar das dificuldades a Homeopatia vem crescendo na Europa. Na Itália, a escola de Florença assimilou o unicismo argentino. A Espanha também foi buscar na Argentina, nos anos 70 e 80, as fontes mais puras da Homeopatia. Na Grécia o “engenheiro” Vithoulkas desenvolve uma Homeopatia de alto nível. A oficialização só ocorreu no Brasil, mas na Europa os governos, de modo geral, respeitam a vontade do povo e por isso toleram a Homeopatia dentro da Medicina oficial.
A Argentina herdou o unicismo kentiano através de Paschero que teve a sua formação nos últimos anos de existência da escola de Homeopatia de James Tyler Kent, nos EUA. O unicismo vitalista da mais pura tradição hahnemanniana foi aí preservado através de médicos que a mantiveram em seus padrões originais. Nomes como Pablo Paschero, Eizayaga, Candegabe, Dentinis, Maria Bandoel e Afonso Masi Elizaldi se projetaram no cenário homeopático contemporâneo, exercendo forte influência na formação do médico homeopata atual, sobretudo em nosso país. No México, Ortega também segue com uma Homeopatia de forte influência kentiana, porém menos expressiva do que a Argentina.
Vale a pena ressaltar a importância do pensamento do professor Afonso Masi Elizaldi que, embora tenha associado a filosofia tomista aos postulados da Homeopatia e por isso sendo combatido nos meios homeopáticos, promoveu importante reforma no pensamento vitalista na atualidade, que merece ser conhecido e discutido pelo seu alto valor filosófico e excelente primor técnico para a prática do Unicismo homeopático.
No Brasil, em 1975 o homeopata e professor argentino Eizayaga organizou um curso de Homeopatia em São Paulo, na Associação Paulista de Homeopatia, renovando a Homeopatia brasileira, estagnada no organicismo francês do início do século, trazendo para nossa terra a escola kentiana-pascheriana de Homeopatia. Isso estimulou um grupo de estudantes, no final dos anos 70 e início dos anos 80 a buscarem na Argentina, a então fonte mais pura da Homeopatia do mundo, fortalecendo sobremaneira esta ciência em nosso meio. O que era até então uma prática essencialmente organicista, sob a influência do pensamento francês, passou a ser exercida com os critérios do Vitalismo unicista. Até que em 1981 o CFM reconheceu-a como especialidade médica. Somos o único país da América a tê-la em nossos cânones oficiais. Em 1984, o ministro da Previdência Social, Valdir Pires, um paciente curado pela Homeopatia, simpatizando-se com o movimento de renovação promovido por essa Medicina, abriu a participação dos médicos homeopatas no sistema de saúde pública do país, embora com muitas restrições, mas já representando um impulso importante para a difusão da Homeopatia em nosso meio. Até então ela era conservada como prática popular, levada de boca em boca, trazida pelos nossos avós, exercida em receituários de centros espíritas, ocultando-se em um misticismo não científico, mas que a preservou até os nossos dias. Desta data em diante, ela passou a ser respeitada nos meios médicos e acadêmicos de nosso país e começou a ser exercida por médicos recém-formados, tornando-se uma moda no início dos anos 80. Atualmente cerca de 500 homeopatas são formados anualmente em nosso país, que já conta com mais de 10 mil médicos exercendo essa atividade.

Alfredo Lopes Filho(Alfanor)
Publicado no Recanto das Letras em 05/10/2008
Código do texto: T1212096







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