quinta-feira, 17 de junho de 2010

LITERATURA - "COMO ESCREVEM OS QUE ESCREVEM"


Mudando um pouco de assunto e  para "relaxar", estou publicando esta matéria sôbre os escritores e seus rituais, o que também tem a ver com a medicina, pois constitui tema para um médico psicanalista.

Por Ezequiel Vinacour Para LA NACION - Buenos Aires, 2010
Traduzido por Glaci Loureiro

Todas as manhãs, Jorge Luis Borges registrava seus sonhos e, em seguida, usava esse material para enriquecer suas ficções. Ernesto Sabato tinha o hábito de queimar durante a noite o que havia produzido até o meio dia. E Carlos Fuentes disse que compunha "mentalmente" suas seis ou sete páginas diárias em um passeio que incluía a casa de Albert Einstein a de Hermann Broch e a de Thomas Mann, em Princeton.
Mas de todas as histórias sobre escritores na hora de encarar a rotina do oficio, talvez a mais singular pertença a Abelardo Castillo. Anos atrás, o autor de Crônica de um iniciado sofria de uma estranha afecção: sentia que não podia começar a trabalhar sem primeiro limpar a sua máquina de escrever. Para fazer isso, tinha uma escova pequena especial para repassar nas teclas e evitar que se empastassem. Sua obstinação, muitas vezes surtia efeitos indesejáveis: como utilizava querosene, os mecanismos muitas vezes terminavam por sujar-se e ao final da tarefa não podiam ser utilizados. "Quando me dava conta, haviam passado três horas e eu não havia escrito nada. Penso que esses hábitos pertencem mais ao domínio da demência do que a área ritual", diz Castillo,em uma pequena piada,a adncultura.
Como os escritores escrevem? Quantas horas trabalham por dia? A que hora do dia? ¿ Que estratégias preferem para criar enredos e personagens? Que tipo de letra usam? As respostas a estas perguntas estão muitas vezes confinadas à área das entrevistas e das lendas, e não a dos estudos literários. No entanto, fornecem dados valiosos quanto ao perfil de um autor e a abordagem de sua obra.
Dashiell Hammett, que em sua fase caótica de Hollywood se havia instalado em uma suíte no Beverly Wilshire, e recebia seus poucos visitantes vestido com uma túnica com suas iniciais, costumava dizer que um homem pode fazer com sua vida o que quiser, mas que a escrita tem certos princípios que devem ser respeitados. É discutível se a vida de Hammett acabou com sua escrita ou se a escrita acabou com a sua vida. A única certeza em todo caso, é que os escritores são criaturas de hábitos,e que a maioria deles tem um ponto fraco para os rituais e a disciplina.
Hemingway que em Paris é uma festa deixou muitas dicas sobre a arte de escrever, disse que é preciso disciplina para trabalhar todas as manhãs e para deixar de pensar na obra ao sair do escritório de modo que esta se siga escrevendo sòzinha em alguma parte da mente. Também recomendou parar de escrever quando a história fluia de modo a poder retomá-la sem inconvenientes na manhã seguinte.
O escritor, fatalmente, se faz. E nessa tarefa os ritos e os métodos ajudam. Assim pensava Faulkner, que também tinha uma áspera receita para qualquer aspirante a escritor. Segundo o autor de Luz de agosto, se requer 99% de talento, 99%, de disciplina e 99% de trabalho para consegui-lo. Claro que o talento e a disciplina muitas vezes pode parecer um caos. Um bom exemplo é a história de Antonio Dal Masetto no processo de escrever o seu romance Sempre é difícil voltar para casa.  Para produzir esta obra, o autor propôs a recompilar os diálogos, anotações de personagens e descrições em guardanapos de bares e pedaços de papel, que foi acumulando em numerosas caixas de sapatos. Para impor-se uma ordem, dividiu as caixas em três grupos: começo, meio e fim. Continuou assim até que em determinado momento, colocou um fim a essa tarefa, se sentou na frente da máquina, esvaziou as caixas e a partir do material acumulado redigiu uma página, um capítulo e finalmente o livro inteiro "É um método que não recomendo a ninguém", brincou após Dal Masetto em uma entrevista.
Outro americano que revelou alguns dos mais estranhos hábitos é Gay Talese. O autor de Frank Sinatra está resfriado, disse que seu dia de escritor não começa no seu escritório, mas no vestiário do quarto andar de sua casa. Lá, todas as manhãs, se veste como um executivo de Wall Street, com camisa e gravata. Quando está pronto, desce cinco andares até seu escritório, um antigo armazém, sem portas nem janelas no porão de sua casa. Uma vez lá, ele tira o traje e coloca uma calça comum e um suéter . Trabalha incansavelmente até ter uma nova página no seu desktop. Depois de ter realizado essa tarefa,volta a vestir-se como um banqueiro e vai para sua casa almoçar.
Nos bastidores, longe das interpretações acadêmicas, alguns dos escritores mais importantes da Argentina contaram a adncultura como enfrentam seu trabalho e como seus hábitos e seus rituais fazem parte também de sua estética. Eles falaram sobre seus medos e sobre os fantasmas que os visitam com mais freqüência: o terror da página negra (a página cheia de escrita inútil), o bloqueio da criatividade, a solidão que envolve o ofício do escritor e o necessário equilíbrio sempre ameaçado, entre a criação genuína e a escrita "por dinheiro."
http://www.blogger.com/goog_1117546899

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